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Pesquisador do HFACTORS apresenta pesquisa sobre segurança operacional na Suécia

Mesmo com um elevado número de regras e procedimentos fiscalizados por agências reguladoras, as organizações com alto nível de complexidade não estão livres de sofrer catástrofes. O coordenador do curso de Ciências Aeronáuticas da PUCRS, Lucas Bertelli Fogaça, que é integrante do núcleo de pesquisa HFACTORS, identificou, em sua tese de doutorado apresentada em 2021, controvérsias nas relações entre trabalhadores e os artefatos do ambiente laboral. O estudo foi apresentado na segunda semana de junho na Universidade de Lund, na Suécia. 

“Da mesma forma que procedimentos são utilizados para estruturar o trabalho, a variabilidade inerente ao campo implica em adaptações constantes para que o trabalho normal possa ser realizado”, explica, lembrando que esse é um dos exemplos de dualidades observadas na indústria de óleo e gás, utilizada como campo para a pesquisa, que também trouxe exemplos de outros setores, como o aéreo. O trabalho desenvolvido por Fogaça faz parte do projeto Integração de Fatores Humanos e Resiliência para o Fortalecimento da Cultura de Segurança na Indústria de Óleo e Gás, conduzido pelo núcleo HFACTORS, que é vinculado à Escola Politécnica em parceria com a Escola de Negócios da PUCRS.  

Fogaça dá exemplos de acidentes ocorridos logo após comemoração de elevados níveis de conformidade relacionados à prevenção de riscos por auditorias externas, como o desastre em Macondo no Golfo do México. A explosão de uma sonda de perfuração ocorreu no dia seguinte à celebração de um relatório com excelentes resultados de segurança. Foram 11 mortes, além de derramamento de óleo, que representou um enorme desastre ambiental. “Os eventos da barragem de Mariana e da Air France 447 também ocorreram em cenários parecidos, mesmo com elevadíssimos níveis de compliance. Isso mostra, em retrospecto, que a segurança e conformidade não andam necessariamente de mãos dadas.” 

Utilizando uma abordagem sociológica, ele observou, em diálogos no campo, em circulares, manuais e procedimentos, como as dinâmicas operacionais e de gestão ocorrem. “A tese se propunha a fazer a captura de negociações e reconciliação de diferentes metas que ocorrem cotidianamente, iluminando como os procedimentos, a regulação e os treinamentos, por exemplo, não são neutros, mas determinam o modo de agir”, ressalta.  

Hiperburocratização das organizações 

Outro ponto discutido é a tendência de proteção legal das grandes empresas, que implica na criação de inúmeros documentos, centenas de páginas de prescrições e procedimentos para serem conhecidos e assinados pelos colaboradores. Assim, a organização procura se blindar de implicações legais.  

As empresas estão entrando em uma fase de hiperburocratização e autojustificação para não serem penalmente responsabilizadas. “Isso acaba, muitas vezes, interferindo com os objetivos de melhoria do sistema da gestão de segurança operacional, redirecionado para a busca de culpados”, reflete o professor e pesquisador. O acúmulo incremental de novas regras e legislação que precisam ser atendidas impacta diretamente no volume de trabalho, que acaba ficando desproporcional e afetando a atividade fim, alcançando diferentes elementos das estruturas organizacionais.  

“Em um exemplo que discutimos na apresentação na Suécia, observamos um acréscimo de quase cinco vezes no volume de material requerido para formar um instrutor de voo nos últimos 10 anos. A maior parte – mais de dois terços deste material – é voltado hoje para proteção legal e não para a segurança da operação aérea em si”, diz.  

Laboratório de aprendizado em Lund 

A apresentação de parte da tese de Fogaça ocorreu no laboratório de aprendizado em Fatores Humanos e Segurança de Sistema, na Universidade de Lund. Este foi o primeiro encontro presencial do grupo desde o início da pandemia de Covid-19. O decano da Escola de Negócios e coordenador Científico do HFACTORS, Éder Heriqson, é um dos professores do curso voltado a Fatores Humanos na instituição sueca. Ele também participou das atividades desenvolvidas em junho com o orientando Fogaça, quando foram discutidos temas como ética, aprendizagem organizacional, cultura justa e cultura de segurança.  

Pesquisadores de várias partes do mundo, representando diversos segmentos, discutiram as limitações e saídas para a segurança operacional. “Os outros participantes debateram situações semelhantes em diferentes indústrias como nuclear e saúde, dedicando suas pesquisas a melhorar estes sistemas e encontrar equilíbrio entre produção, proteção e conformidade em sistemas complexos e dinâmicos”, argumenta Fogaça.  

Para ele, é muito difícil trabalhar com modelos pré-estabelecidos, sem considerar as especificidades de cada ambiente e a participação de representantes do meio estudado.  “O oferecimento de modelos e frameworks prontos não dão conta da dinamicidade destes campos. Por este motivo, nossa abordagem envolve cocriação. Nos dedicamos a ampliar as percepções em campo para permitir que caminhos emerjam do campo”, declara. Neste contexto, segundo Fogaça, o pesquisador nunca superará os repertórios e a experiência dos trabalhadores em seus próprios ambientes laborais.   

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Artigo mostra processo decisório descentralizado na aviação

Um estudo realizado pelos pesquisadores do HFACTORS Eder Henriqson e Lucas Bertelli Fogaça mostra que as decisões tomadas nas operações de voo não são centralizadas e, sim, distribuídas em várias áreas. Portanto, a resiliência do sistema depende da combinação dos repertórios dos diferentes integrantes e não só de uma figura, como o operador de voo.

O artigo, que acaba de ser publicado no Journal of Cognitive Engineering and Decision Making e conta com Guido Carim Jr e Felipe Lando, apresenta dados sobre o processo decisório na área da aviação. Segundo Fogaça, as companhias aéreas operam em um ambiente altamente variável que interfere na malha de voos, sendo o Centro de Controle de Operações (CCO) a principal estrutura responsável por garantir operações tranquilas e rentáveis.

O pesquisador explica que, até então, os estudos sugeriam que as decisões eram centralizadas no coordenador de voo, um figura central em um CCO, porém, o trabalho do qual participa aponta que, além desse personagem, outros fazem a diferença:


1) o processo decisório é distribuído e descentralizado em várias áreas e não concentrado na figura do Coordenador de Voo;
2) especialistas de cada área estão constantemente e ativamente procurando sinais de interrupção enquanto monitoram a operação normal e reequilibram os recursos;
3) especialistas da área contam com um repertório de estratégias para implantar soluções inovadoras em cenários dinâmicos;
4) a resiliência do sistema frente às interrupções emerge da combinação dos repertórios dos diferentes integrantes (decisores) do CCO.

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Aplicação de Fatores Humanos na aviação é vista como referência

Foto: Ross Parmly/Unsplash

Uma das primeiras áreas a utilizar Fatores Humanos como uma abordagem sistêmica para trabalhar com segurança, a aviação se tornou referência na aplicação de uma nova visão espalhada para outros setores. Se antes as organizações identificavam problemas e soluções de forma segmentada, agora a complexidade das operações é reconhecida e as partes são tratadas como indissociáveis com repercussão no todo. 

O coordenador do curso de Ciências Aeronáuticas da PUCRS e membro do HFACTORS, Lucas Fogaça, conta que as pesquisas na área da aviação com esse enfoque tiveram seus primeiros ensaios na Segunda Guerra Mundial, mas ganharam força a partir do começo dos anos 2000, com abordagens mais sociológicas envolvendo cultura justa e engenharia de resiliência. “O foco progressivamente deixou de ser a culpabilidade dos operadores e a busca por respostas passou a se voltar para o sistema como um todo – envolvendo desde os operadores de linha de frente, passando pelas interações organizacionais e até a regulação”, destaca.   

Considerando os princípios de Fatores Humanos, o erro não deve ser visto como foco de insegurança e sim um reflexo das condições organizacionais, de gestão, de trabalho e tudo o que envolve as operações. “Estamos em uma época em que os Fatores Humanos remetem aos estudos daquilo que influencia a performance humana, incluindo as tecnologias, as estruturas, as pressões econômicas etc.”, complementa o mestrando e pesquisador do núcleo HFACTORS Rafael Trancoso.

Nas investigações de acidentes, segundo Trancoso, a compreensão do contexto colabora para o entendimento das tomadas de decisão. “É interessante entender o porquê o piloto pensou como pensou e agiu como agiu”, lembra, acrescentando que os elementos cognitivos, organizacionais e ambientais estavam em interação e podem ter levado o trabalhador a tomar determinada decisão, que se apresentou como a mais adequada naquele momento. 

Ao adotar uma abordagem de Fatores Humanos, o discurso de que um evento ocorreu pelo erro de um indivíduo perde força. “Começamos a enxergar que, se uma pessoa não cumpriu o procedimento, é porque talvez o procedimento não fizesse sentido ou não fosse aplicável. Se o sujeito foi treinado para aquilo e não conseguiu executar a tarefa, talvez o treinamento não estivesse adequado, ou talvez a situação exceda a capacidade do sistema”, declara Fogaça.

Aplicação para outras áreas 

A interação do indivíduo com o trabalho, os equipamentos e os procedimentos mostram a elevação do nível de complexidade de atividades e a demanda por condições de segurança e eficiência nos processos. A aviação tem estimulado, segundo Trancoso, uma abertura para que outros setores busquem e prezem pelas condições de trabalho e por habilidades. “O Crew Resource Management (CRM) é um exemplo de que outras organizações têm buscado na aviação o treinamento e a capacitação de equipe” explica. 

Surgido a partir dos anos 1980, o CRM representa o esforço de entender o porquê alguns acidentes estariam ocorrendo, mesmo não havendo falhas técnicas nas aeronaves. Houve uma evolução desde cockpit (focado nos recursos da cabine de comando), passando pelo crew (pilotos e comissários) até o corporate resource management (recursos de toda a organização). “Se entende que muitas das decisões estão fora do ambiente de voo, como por exemplo, em centros de operação e nas redes de contato e trabalho tecidos a partir daí, como controle de tráfego aéreo, engenharia, operações, alta direção, fabricantes, auxílio via tele-medicina etc..”, ressalta Fogaça.

O que era trazido para a aviação em termos de segurança operacional e de sistema foi considerado como positivo para outros setores. Por isso, muitas equipes de hospitais e da indústria de óleo e gás, por exemplo, começaram a utilizar a aviação como exemplo para algumas atividades, como a realização dos cursos de CRM.  

Apesar de os fundamentos de Fatores Humanos já estarem difundidos, ainda não são predominantes em todo o setor produtivo. As práticas mais tradicionais com aplicação de técnicas e modelos diretos e relativamente simples e rápidos de serem implementados, como checklist e manuais, ainda estão muito presentes. Elas, no entanto, relativizam a complexidade, tratando os sistemas como previsíveis. “Quando reduzimos uma realidade complexa e não mapeável a um modelo, muitas questões ficam de fora, como os aspectos sociais”, observa Fogaça. De acordo com ele, o social pesa tanto quanto o técnico na questão da segurança.

A proposta de Fatores Humanos, mais sociológica e sistêmica, considera as relações e os significados implícitos e explícitos para a implementação nas operações, na regulação, na confecção de procedimentos e nas tomadas de decisão ao longo de toda a hierarquia. “Envolve mudança, ou construção de uma cultura associada. Isso dá trabalho e não é tão fácil de auditar”, salienta, lembrando que, por isso, as práticas demoram e são difíceis de implementar.  Mesmo na aviação, área em que a abordagem sistêmica já é consenso, a prevenção ainda precisa avançar e considerar aspectos políticos sobre os procedimentos, por exemplo.