Escolha de métodos para investigação de acidentes é crucial para o seu resultado
Modelos lineares como a Árvore de Falhas limitam a aprendizagem organizacional
Por Karina Reif
Analisando relatórios de acidentes da indústria de óleo e gás, pesquisadores do HFACTORS identificaram que a tendência das comissões de investigações focarem em causas raízes simples e diretas limita o aprendizado organizacional e dificulta mudanças que poderiam evitar eventos semelhantes no futuro. A escolha do método para analisar acidentes em um sistema sociotécnico também tem impacto nesse processo.
A mestre em Engenharia de Produção Natália Jaeger Basso Werle e o mestre em Administração, Gestão e Segurança Operacional Francisco Schuster Rodrigues destacam que é “muito comum no setor representações lineares, como a Árvore de Falhas”. Esses tipos de métodos dificultam uma abordagem mais abrangente ao analisar a trajetória de um acidente. Por outro lado, ferramentas sistêmicas permitem observar a relação de fatores, ações e decisões. “Com a representação das interações entre as funções em vários níveis, se consegue fazer uma análise mais sistêmica”, descreve Werle.
Para validar isso, o grupo de pesquisadores da área de Engenharia de Resiliência, do qual os dois fazem parte, escolheu o método Accimap, desenvolvido pelo dinamarquês Jens Rasmussen, para analisar relatórios de investigações já concluídas no Brasil pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e com acesso público.
A partir de alguns critérios de pesquisa, foram selecionados nove relatórios , incluindo os de desastres de grande magnitude e repercussão na indústria brasileira como o da P36 e o de Cidade de São Mateus. O processo partiu da análise dos documentos em que os pesquisadores individualmente identificaram os fatores contribuintes citados pelos investigadores das comissões. Cada um representou esses fatores na estrutura do Accimap, de acordo com o nível sociotécnico em que estavam relacionados (operacional, gestão local, companhia, agência reguladora ou governo) para, posteriormente, ser realizada a comparação e validação dos Accimaps elaborados.
“Pelos relatórios, conseguimos reconhecer as relações. Uma decisão do governo ou um regulamento de agência reguladora, por exemplo, têm relação direta sobre a forma de contrato, que, por sua vez, influencia em nível de companhia e assim por diante”, detalha Rodrigues. Em contraste com métodos considerados causais e lineares como a Árvore de Falhas, Bow tie, Fishbone (Ishikawa) e 5 Whys, os modelos de acidentes com premissas sistêmicas, como o Accimap, estimulam o olhar para níveis macro, segundo os pesquisadores, que ainda fizeram comparações entre os resultados encontrados individualmente.
Entre as conclusões, está a identificação de padrões nas investigações analisadas, como o foco na busca de não conformidades às diretrizes da agência reguladora. “Notamos que a ANP foca no nível de companhia para baixo (na hierarquia de níveis). Já as investigações internacionais que observamos são mais abrangentes”, resume Rodrigues. A orientação da agência costuma estabelecer uma relação direta entre causa e efeito e associar uma suposta motivação do acidente com alguma determinação não cumprida. “Em última instância, a ANP considera que um acidente acontece por uma falta de conformidade com o sistema de gestão dela. Nesse entendimento, se todos os itens do sistema de gestão fossem seguidos, não aconteceriam acidentes. Mas a gente sabe que não é assim que acontece”, declara Rodrigues, complementado que, dessa forma, a agência deixa de olhar para suas próprias limitações.
Aprendizagem organizacional a partir de acidentes
Conforme os pesquisadores, quando se olha uma explosão ocorrida numa plataforma, por exemplo, considerando principalmente os fatores proximais, os resultados são aproveitados somente naquela unidade, enquanto poderiam gerar um efeito para toda a organização se fossem buscados aspectos mais amplos como sistema de contrato, projeto, pressão por produção e vários outros que podem também ter influência sobre aquele evento. O resultado seria muito mais sistêmico, estrutural e duradouro, proporcionando uma aprendizagem organizacional de fato.
Werle observa que o processo conhecido como abrangência não garante que se vá além de níveis proximais, caso a investigação direcione somente para eles. Ela ressalta que as ações costumam ser normalmente retreinamento e mudança de procedimento sem considerar o contexto macro, limitando a aprendizagem.
Próximos passos
Considerando que o trabalho realizado pelos pesquisadores não foi uma investigação e sim uma análise de relatórios, o próximo passo é acompanhar uma comissão desde o início e auxiliar a coleta de evidências e a análise do evento ao aplicar as orientações propostas, para então embasar a elaboração das recomendações de segurança.
Segundo Werle, as investigações da indústria de óleo e gás são tradicionalmente voltadas prioritariamente para níveis operacionais. “Isso em razão da própria forma que se tem de olhar os acidentes a partir de questões mais proximais e por procurar culpados e causas raízes”, diz. Por esse motivo, a aplicação de outro método trará possivelmente desdobramentos diferentes da investigação oficial. A engenheira de resiliência explica que normalmente não existem causas únicas e isoladas e sim uma combinação de fatores, ações e decisões que levam a um acidente.
“Geralmente,os acidentes ocorrem por vários elementos que interagem daquela forma”, resume Werle
Dessa maneira, para que uma investigação seja realizada sistemicamente, é preciso incorporar premissas não só na escolha do método, mas também na coleta de evidências e demais fases. “É a própria mentalidade que se vai para um acidente”, resume Werle.
Grupo de ESO
Werle e Rodrigues integram o grupo de trabalho Análise de Eventos de Segurança Operacional (ESO) do projeto de pesquisa Human Factors. Os componentes de várias áreas de pesquisa vêm desenvolvendo ferramentas para serem usadas pela indústria de óleo e gás. Dentre elas está um conjunto de orientações para tornar o processo de investigações mais sistêmico. Nesse conjunto, o grupo recomenda a utilização de modelos não lineares e também uma abordagem de coleta de evidências seguindo fundamentos em Fatores Humanos. Como parte disso, está sendo desenvolvida uma ferramenta de entrevistas episódicas.
Accimap
O Accimap é um método alternativo aos modelos lineares de representação de investigação. Apesar de ter sido desenvolvido há mais de 20 anos como uma forma de demonstrar como os sistemas sociotécnicos funcionam e como os acidentes ocorrem nessas estruturas, ele ainda é pouco utilizado e considerado novo em aplicações práticas. É uma das principais ferramentas da academia científica, junto com o FRAM, criado por Erik Hollnagel, com grande número de publicações.
Rodrigues explica que a maneira de se conduzir as investigações tem relação com as tradições científicas predominantes ao longo da história. “Por séculos, as dinâmicas organizacionais foram compreendidas de forma cartesiana, previsível e mensurável.”
Só a partir dos anos 2000 é que os métodos sistêmicos, fundamentados em teorias de sistemas e complexidade, começaram a ganhar espaço e a concorrer com os tradicionais até então aplicados.
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