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Artigo mostra processo decisório descentralizado na aviação

Um estudo realizado pelos pesquisadores do HFACTORS Eder Henriqson e Lucas Bertelli Fogaça mostra que as decisões tomadas nas operações de voo não são centralizadas e, sim, distribuídas em várias áreas. Portanto, a resiliência do sistema depende da combinação dos repertórios dos diferentes integrantes e não só de uma figura, como o operador de voo.

O artigo, que acaba de ser publicado no Journal of Cognitive Engineering and Decision Making e conta com Guido Carim Jr e Felipe Lando, apresenta dados sobre o processo decisório na área da aviação. Segundo Fogaça, as companhias aéreas operam em um ambiente altamente variável que interfere na malha de voos, sendo o Centro de Controle de Operações (CCO) a principal estrutura responsável por garantir operações tranquilas e rentáveis.

O pesquisador explica que, até então, os estudos sugeriam que as decisões eram centralizadas no coordenador de voo, um figura central em um CCO, porém, o trabalho do qual participa aponta que, além desse personagem, outros fazem a diferença:


1) o processo decisório é distribuído e descentralizado em várias áreas e não concentrado na figura do Coordenador de Voo;
2) especialistas de cada área estão constantemente e ativamente procurando sinais de interrupção enquanto monitoram a operação normal e reequilibram os recursos;
3) especialistas da área contam com um repertório de estratégias para implantar soluções inovadoras em cenários dinâmicos;
4) a resiliência do sistema frente às interrupções emerge da combinação dos repertórios dos diferentes integrantes (decisores) do CCO.

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Cultura Justa: responsabilidade compartilhada para garantir aprendizado nas organizações

Crédito: Unsplash

Os processos de gestão, de administração e também as condutas esperadas dos membros de uma determinada organização fazem parte de uma cultura local, a qual rege boa parte das dinâmicas nos ambientes de trabalho. Quando as práticas são pautadas por um sistema de responsabilidade compartilhada entre os trabalhadores, os reguladores e a gestão, procurando gerar aprendizado, confiança e cooperação, isso é chamado de cultura justa.

As pesquisadoras da equipe do Serviço Social do núcleo HFACTORS Beatriz Gersheson, Kathiana Arend e Inês Amaro explicam que esse conceito tem relação com a maneira que os sistemas respondem aos comportamentos de seus colaboradores. Se algo “dá errado”, por exemplo, o objetivo é aprender por meio da participação e da compreensão das atividades e responsabilidades.

A cultura justa engloba uma ampla gama de situações em que seus princípios podem ser considerados e aplicados para a melhoria de todos os processos organizacionais, segundo as pesquisadoras. Elas entendem que, para se chegar a um modelo de cultura justa, é necessária a participação dos envolvidos na organização. Uma das ações é a transformação da comunicação para evitar assimetrias de poder e, assim, reduzir também práticas retributivas, com objetivo de punição.

As práticas devem ser orientadas por processos democráticos e de responsabilização, ainda de acordo com a equipe do Serviço Social. Implica que haja, necessariamente, uma mudança de olhar e das perguntas que movem os processos.

Segurança organizacional

À medida em que a cultura de segurança das organizações incorpora esta racionalidade, o foco passa a ser nas necessidades e na obrigação em seguir uma abordagem colaborativa entre as pessoas direta e indiretamente afetadas por um incidente que causou ou possa causar dano. Para as pesquisadoras, esta é a base da mudança.  

A aposta em uma cultura justa restaurativa – que visa a reparação dos danos e responsabilização dos atos – oferece a possibilidade de ampliação da segurança nas organizações, fortalecendo a atuação dos trabalhadores. Eles podem participar ativamente do monitoramento do local de trabalho e estar envolvidos nos esforços para a melhoria da segurança organizacional.

Mobiliza ainda uma infraestrutura de aprendizagem contínua para prevenir a exclusão nas relações de trabalho, orientando-se por processos justos e inclusivos, intimamente associados à qualidade de interação e comunicação nas relações de trabalho. Assim, são cultivados espaços em que os trabalhadores possam ser ouvidos e tratados com respeito

O processo para consolidação da cultura justa ainda deve contar com aprendizagem coletiva e colaborativa, rompendo com os processos restritivos à culpabilização e à penalização. Da mesma forma, as assistentes sociais observam importantes a educação corporativa com o objetivo de desenvolver a liderança e a comunicação em nível interpessoal e intergrupal. Tudo isso privilegia a construção de competências comportamentais como escuta ativa, empatia, confiança e trabalho em equipe.

SOCIOLOGIA: Contextualização para entendimento dos fenômenos

Hermílio Santos é coordenador da área de Sociologia do HFACTORS

Com foco no entendimento dos fenômenos sociais, a Sociologia historicamente busca elementos de outras áreas do conhecimento para criar teorias e compreender a organização da sociedade e suas variações. “A origem é de várias áreas das ciências humanas e tem participado de pesquisas interdisciplinares, o que enriquece ainda mais os resultados”, afirma o professor da PUCRS Hermílio Santos, que faz parte do núcleo HFACTORS.

Dentre as principais tarefas de um sociólogo, está a contextualização dos sujeitos. “Situamos os indivíduos e a análise transborda o ambiente concreto, porque as vivências não se encerram em si. Elas têm um histórico”, explica o sociólogo, que é doutor em Ciência Política e tem em sua formação áreas como a Filosofia. 

Diagnóstico de campo

Atuando no ambiente de trabalho, em atividades de risco, Santos observa a importância da Sociologia Interpretativa para o diagnóstico de campo e também para a formulação de recomendações que contribuam com a segurança. Segundo ele, quando um colaborador ingressa em uma organização, carrega com ele interpretações passadas e visões de mundo. Tudo isso, informa a maneira como agirá, inclusive em momentos imprevistos.

Por isso, Santos entende que, além de estratégias quantitativas para identificar regularidades a respeito dos participantes do meio estudado, as qualitativas, que contemplem a biografia e as interpretações, são um ganho para uma pesquisa interdisciplinar. “Os métodos vão mostrar as experiências das pessoas nos seus ambientes de trabalho”, destaca.

Trajetória biográfica

Nos casos de análises de acidentes, entender como esses temas perpassam a trajetória biográfica dos trabalhadores e como eles encaram essas situações podem mostrar tipos de ações diante do risco. “Não significa necessariamente que a maneira como eles agiram no passado, será a mesma no futuro, mas reunimos elementos para compreender como essas pessoas interpretaram essas situações”, explica.

Além disso, os dados estão relacionados a eventos concretos e não normativos. O conhecimento gerado é como de fato os pesquisados reagiram e não como deveriam, ou era esperado, reagir.

Os resultados servem como subsídios para a formulação de intervenções com o objetivo de minimizar as situações de risco. Aliados às informações trazidas por outras disciplinas, a compreensão do campo estudado se torna mais abrangente e concreta.

No HFACTORS, a Sociologia atua junto com outras áreas do conhecimento com uma perspectiva de Fatores Humanos. Desde 2017, o grupo tem utilizado diferentes métodos para trabalhar com temas como segurança, resiliência e organizações complexas.

Confira no nosso canal do YouTube o vídeo do professor Hermílio Santos falando sobre o tema.

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Aplicação de Fatores Humanos na aviação é vista como referência

Foto: Ross Parmly/Unsplash

Uma das primeiras áreas a utilizar Fatores Humanos como uma abordagem sistêmica para trabalhar com segurança, a aviação se tornou referência na aplicação de uma nova visão espalhada para outros setores. Se antes as organizações identificavam problemas e soluções de forma segmentada, agora a complexidade das operações é reconhecida e as partes são tratadas como indissociáveis com repercussão no todo. 

O coordenador do curso de Ciências Aeronáuticas da PUCRS e membro do HFACTORS, Lucas Fogaça, conta que as pesquisas na área da aviação com esse enfoque tiveram seus primeiros ensaios na Segunda Guerra Mundial, mas ganharam força a partir do começo dos anos 2000, com abordagens mais sociológicas envolvendo cultura justa e engenharia de resiliência. “O foco progressivamente deixou de ser a culpabilidade dos operadores e a busca por respostas passou a se voltar para o sistema como um todo – envolvendo desde os operadores de linha de frente, passando pelas interações organizacionais e até a regulação”, destaca.   

Considerando os princípios de Fatores Humanos, o erro não deve ser visto como foco de insegurança e sim um reflexo das condições organizacionais, de gestão, de trabalho e tudo o que envolve as operações. “Estamos em uma época em que os Fatores Humanos remetem aos estudos daquilo que influencia a performance humana, incluindo as tecnologias, as estruturas, as pressões econômicas etc.”, complementa o mestrando e pesquisador do núcleo HFACTORS Rafael Trancoso.

Nas investigações de acidentes, segundo Trancoso, a compreensão do contexto colabora para o entendimento das tomadas de decisão. “É interessante entender o porquê o piloto pensou como pensou e agiu como agiu”, lembra, acrescentando que os elementos cognitivos, organizacionais e ambientais estavam em interação e podem ter levado o trabalhador a tomar determinada decisão, que se apresentou como a mais adequada naquele momento. 

Ao adotar uma abordagem de Fatores Humanos, o discurso de que um evento ocorreu pelo erro de um indivíduo perde força. “Começamos a enxergar que, se uma pessoa não cumpriu o procedimento, é porque talvez o procedimento não fizesse sentido ou não fosse aplicável. Se o sujeito foi treinado para aquilo e não conseguiu executar a tarefa, talvez o treinamento não estivesse adequado, ou talvez a situação exceda a capacidade do sistema”, declara Fogaça.

Aplicação para outras áreas 

A interação do indivíduo com o trabalho, os equipamentos e os procedimentos mostram a elevação do nível de complexidade de atividades e a demanda por condições de segurança e eficiência nos processos. A aviação tem estimulado, segundo Trancoso, uma abertura para que outros setores busquem e prezem pelas condições de trabalho e por habilidades. “O Crew Resource Management (CRM) é um exemplo de que outras organizações têm buscado na aviação o treinamento e a capacitação de equipe” explica. 

Surgido a partir dos anos 1980, o CRM representa o esforço de entender o porquê alguns acidentes estariam ocorrendo, mesmo não havendo falhas técnicas nas aeronaves. Houve uma evolução desde cockpit (focado nos recursos da cabine de comando), passando pelo crew (pilotos e comissários) até o corporate resource management (recursos de toda a organização). “Se entende que muitas das decisões estão fora do ambiente de voo, como por exemplo, em centros de operação e nas redes de contato e trabalho tecidos a partir daí, como controle de tráfego aéreo, engenharia, operações, alta direção, fabricantes, auxílio via tele-medicina etc..”, ressalta Fogaça.

O que era trazido para a aviação em termos de segurança operacional e de sistema foi considerado como positivo para outros setores. Por isso, muitas equipes de hospitais e da indústria de óleo e gás, por exemplo, começaram a utilizar a aviação como exemplo para algumas atividades, como a realização dos cursos de CRM.  

Apesar de os fundamentos de Fatores Humanos já estarem difundidos, ainda não são predominantes em todo o setor produtivo. As práticas mais tradicionais com aplicação de técnicas e modelos diretos e relativamente simples e rápidos de serem implementados, como checklist e manuais, ainda estão muito presentes. Elas, no entanto, relativizam a complexidade, tratando os sistemas como previsíveis. “Quando reduzimos uma realidade complexa e não mapeável a um modelo, muitas questões ficam de fora, como os aspectos sociais”, observa Fogaça. De acordo com ele, o social pesa tanto quanto o técnico na questão da segurança.

A proposta de Fatores Humanos, mais sociológica e sistêmica, considera as relações e os significados implícitos e explícitos para a implementação nas operações, na regulação, na confecção de procedimentos e nas tomadas de decisão ao longo de toda a hierarquia. “Envolve mudança, ou construção de uma cultura associada. Isso dá trabalho e não é tão fácil de auditar”, salienta, lembrando que, por isso, as práticas demoram e são difíceis de implementar.  Mesmo na aviação, área em que a abordagem sistêmica já é consenso, a prevenção ainda precisa avançar e considerar aspectos políticos sobre os procedimentos, por exemplo.

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Como o autocuidado fortalece os profissionais e as organizações?

Com o surgimento da pandemia de Coronavírus, a preocupação com a saúde, com o bem-estar físico e emocional e com o rendimento vem ganhando espaço no mercado de trabalho. Estratégias de autocuidado são usadas para auxiliar os indivíduos e também para fortalecer o ambiente laboral como um todo. Segundo a professora de Serviço Social da PUCRS e pesquisadora do núcleo HFACTORS Maria Isabel Bellini, as práticas de cuidar de si ocorrem, normalmente, de forma simultânea na relação com o grupo.


O autocuidado pode ser entendido como uma ação individual com repercussões no coletivo. “Somente se eu estiver bem, poderei cuidar do outro”, afirma. O fortalecimento dos trabalhadores no seu bem-estar propiciará benefícios às relações interpessoais de forma empática e solidária, mitigando e reduzindo processos de esgotamento por conta de altas demandas e responsabilidades.


Prevenção de desgaste e adoecimento

A assistente social Fernanda Arena, pesquisadora e bolsista de pós-doutorado do núcleo HFACTORS, destaca a prevenção de possíveis processos de adoecimento relacionados às questões do trabalho e ao estresse ocupacional, como a síndrome de Burnout. Da mesma maneira, as práticas de autocuidado podem prevenir fadiga por compaixão, que é um desgaste físico e emocional ao lidar com situações de sofrimento de outras pessoas.


Para Arena, o interesse e a preocupação com a saúde mental e com aspectos psicofísicos trazem uma equivalência de níveis hierárquicos com relação às suas necessidades. “Os líderes também presenciam questões de vida”, destaca. Entre os princípios das estratégias estão o fortalecimento da comunicação vertical – aquela que ocorre entre diferentes cargos – e o olhar empático para todos os trabalhadores, respeitando o descanso, a interação e o diálogo.

Estratégias na prática


O autocuidado tem sido abordado por diversas disciplinas, incluindo a Psicologia e o Serviço Social. Os resultados orientam outros temas convergentes a esses campos e a aplicação costuma se dar em formato de capacitação de trabalhadores, tratando o assunto de maneira profunda, propiciando o debate e o esclarecimento constante.


As pesquisadoras destacam algumas iniciativas no âmbito organizacional para promover o autocuidado no trabalho:


1 Incentivo de práticas de saúde e bem-estar físico, psíquicos, espirituais e sociais;
2 Promoção do apoio social e interpessoal de colegas profissionais;
3 Criação de estruturas de apoio pessoal;
4 Investir em estratégias qualificadas de comunicação social que favoreçam as relações coletivas, de solidariedade e empatia entre os trabalhadores.

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Live provoca questionamentos sobre Fatores Humanos e segurança organizacional

Em evento realizado pelo núcleo de pesquisa HFACTORS, o tema do erro humano foi tratado no contexto da segurança das organizações e gerou diversas perguntas e comentários do público. A live, transmitida pelo YouTube da Pucrs na semana passada, contou com os professores Eduardo Giugliani e Eder Henriqson, além do engenheiro de petróleo da Petrobras José Carlos Bruno.

Entre as questões feitas a eles, estavam dúvidas sobre pesquisa na área, dificuldade de lidar com pessoas no mercado de trabalho e a abrangência da legislação trabalhista. Para esclarecer todos os temas, Bruno respondeu as perguntas que não puderam ser feitas no tempo da live.

Por que é tão difícil tratar pessoas como pessoas?

José Carlos Bruno: Corre uma lenda que diz que engenheiros seriam apaixonados por coisas e não por pessoas. Portanto, como as atividades de alto risco são também atividades de engenharia, essa seria uma condição “natural”. Não compactuo com essa ideia, mas claro que “cuidar” das coisas permite aos engenheiros construir os sistemas altamente tecnológicos que dispomos. Há diversos outros fatores que influenciam a forma como ainda hoje abordamos segurança, maciçamente fundamentada na crença de que as pessoas são um problema que ameaça a integridade dos nossos sistemas robustos e intrinsicamente seguros. As pessoas erram e erram muito. Um horror! São pouco confiáveis esses humanos! Ora, mas se errar é humano, por que continuamos culpando as pessoas, seres humanos, quando elas erram? Por que continuamos usando pessoas como barreiras, muitas vezes a principal barreira, nos tais sistemas que imaginamos quase perfeitos se elas são tão frágeis? Por isso é que em todas as oportunidades que temos de refletir sobre isso com as nossas lideranças, sobre como então podemos melhorar o desempenho humano, a primeira ideia que nos vem à mente é a de que devemos de uma vez por todas parar de culpar as pessoas por simplesmente serem humanas.

É prevista alguma ação mais focada na fase de projeto de instalações da indústria de Óleo & Gás? Como as questões organizacionais (estrutura, sistemas de remuneração etc.) estão sendo consideradas nos projetos de pesquisa?

A incorporação dos princípios e conceitos de fatores humanos, sobretudo em organizações tão complexas como no caso da indústria de petróleo, depende fundamentalmente de uma mudança de modelo mental, da adoção de uma nova filosofia alicerçada no melhor aproveitamento das pessoas como aquilo que elas sempre foram, a solução para os problemas naturalmente existentes no seu enfrentamento diário para a realização do trabalho. E é a partir da construção de um ambiente de participação, baseado na confiança como sua pedra fundamental, que será possível aprender com o trabalho normal, identificando os problemas do trabalho e corrigi-los de forma proativa, retroalimentando toda a organização em um verdadeiro processo de melhoria contínua de seus projetos, processos e sistemas. Mas não é uma tarefa fácil, longe disso. Há muitos elementos básicos que precisam ser plantados e permanentemente regados para que venham a dar frutos e sustentem a longa jornada que temos pela frente, como, por exemplo, aprender a lidar com as más notícias para que possamos aprender com elas. Nosso dia a dia não é um mar de rosas, repleto de boas notícias, como muitos podem imaginar. E sim, à medida que formos aprendendo, será possível enxergar de forma bem mais clara as diversas inconsistências existentes entre a nova abordagem proposta por fatores humanos e o que hoje ainda praticamos, quase que dogmaticamente, na indústria. Pode ter certeza de que ainda há um abismo entre o modelo mental predominante nas indústrias consideradas seguras, como é o nosso caso, e aquele das atividades ditas ultra seguras, como indústria nuclear e aviação comercial, por exemplo.

Alguns estudos mais recentes têm demonstrado que as habilidades das pessoas – técnicas e não-técnicas – contribuem para um trabalho mais seguro. Como isso se relaciona com Fatores Humanos? E que outros fatores estão relacionados com a segurança a partir da perspectiva de Fatores Humanos?

Sem dúvida alguma, a maior qualificação das pessoas é um elemento importante em qualquer sistema de trabalho. O cuidado que temos que ter é o de não acabarmos transformando essa abordagem em mais uma forma de “empurrar” toda a responsabilidade pela segurança de volta para o trabalhador lá na linha de frente. Por isso, é fundamental sempre pontuarmos a importância do desenvolvimento das nossas habilidades como algo importante, mas sobretudo reconhecendo tratar-se apenas de mais um elemento, dentre tantos outros, que precisa estar sempre conectado a um contexto, a um sistema muitas vezes complexo. Da mesma forma, por exemplo, quando de repente estamos falando de resiliência no nível do indivíduo, e não do sistema, o que pode acabar virando mais uma forma rebuscada de responsabilização do indivíduo.

Atualmente, qual a importância do tema de Fatores Humanos para a indústria de óleo e gás?

A indústria parece que finalmente acordou para a importância do tema fatores humanos. Sobretudo porque percebeu que não há mais como continuar fazendo mais do mesmo. O modelo tradicional de comando e controle, em que a desconfiança dá o tom, chegou ao seu limite. O autor Sidney Dekker pontua que a indústria de óleo e gás parece ter alcançado o seu “sweet spot”, o ponto a partir do qual mais regras e controles não necessariamente trazem mais segurança. Assim, para que possamos continuar evoluindo em segurança – e há ainda muito a progredir, apesar dos resultados que temos alcançado – é fundamental incorporarmos um novo repertório como o que é proposto por fatores humanos. Não será fácil, já que renunciar ao controle a partir da construção de ambientes psicologicamente mais seguros com base na confiança certamente encontrará muita resistência entre um bom número de gestores formados num outro tipo de contexto. Por isso a ideia de uma jornada.

Como o corpo gerencial de organizações de alto risco está sendo apresentado aos conceitos de Fatores Humanos? A aceitação e compreensão tem sido positiva?

Este é um dos maiores desafios, se não o maior, para qualquer organização que pretenda investir na abordagem de fatores humanos: como engajar a alta liderança. Sem dúvida, é o primeiro passo desse processo. Felizmente, a partir do aprendizado de mais de cinco anos na pesquisa de fatores humanos, especificamente, com a indústria de óleo e gás, foi possível desenvolver o que estamos chamando de Laboratório de Fatores Humanos, uma forma estruturada que dá aos gestores de topo a oportunidade de conhecer os principais conceitos e princípios de fatores humanos em um ambiente de debates e muita reflexão. O resultado tem sido bastante auspicioso. Mas é preciso avançar ainda mais na sedimentação dos conceitos e este será, sem dúvida, o grande trabalho que teremos pela frente já em 2022.

Quais as perspectivas sobre a inclusão do tema Fatores Humanos às Legislações Trabalhistas Brasileiras?

Essa é uma discussão que está se iniciando e que extrapola em muito a capacidade das organizações de fazer acontecer. Sem dúvida, é fundamental o envolvimento de toda a sociedade, já que muita coisa depende de uma profunda revisão no modelo mental vigente. E aí estão incluídos todos os agentes públicos, como Ministério do Trabalho, agências reguladoras, congresso, judiciário e por aí vai. Na indústria de petróleo, minha área de atuação, será muito importante a atuação das diversas entidades como o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) e outras que representam as empresas e seus profissionais junto a esses stakeholders.

Temos uma ampla gama de técnicas para avaliar quando as coisas dão errado (investigação de acidentes). Que ferramentas temos para uso pela força de trabalho para avaliar quando as coisas dão certo?

Quando pensamos em “fazer” segurança para as pessoas, logo nos vem à mente a ideia de que devemos aplicar alguma ferramenta. Isso é normal, dado o conjunto de crenças e premissas construídas ao longo de décadas. Mas, a partir do momento que passamos a compreender que segurança é algo que se constrói com as pessoas, num processo permanente de interação, dia após dia, começamos a perceber que o verdadeiro aprendizado vem do trabalho normal, como ele é realizado na prática. A partir disso, podemos identificar, em conjunto com o trabalhador, que é quem realmente conhece as limitações existentes no sistema, os problemas do trabalho e eliminá-los de forma proativa e sustentável. Aprender com o trabalho normal não requer qualquer ferramenta. Mas, se quisermos extrair aprendizado a partir de algum resultado, como quando as coisas dão certo, por exemplo, já existem algumas técnicas que vem sendo aplicadas em maior ou menor escala a depender no nível de maturidade da organização, como é o caso do “debriefing”, um momento reservado no pós- tarefa onde a equipe discute o que aconteceu e registras os pontos críticos e as oportunidades de melhoria para retroalimentar o sistema.

Gostaria que falassem um pouco sobre o tema trabalho imaginado x trabalho realizado, sob a perspectiva do Hearts and Minds.

A partir do momento que nossas lideranças desenvolvem a habilidade de discorrer sobre o conceito de trabalho imaginado x trabalho realizado, muito do que fundamenta abordagens do tipo Hearts and Minds deixa de fazer sentido. Quando se compreende que é o trabalhador, através das adaptações necessárias ao enfrentamento dos problemas diários para a realização do trabalho, que consegue reconciliar aquilo que é possível fazer com o que é desejável fazer e, com isso, manter o sistema funcionando com segurança, qualidade, produtividade e eficiência, toda a lógica de que é preciso sensibilizar o trabalhador para que ele passe a atuar como uma barreira de segurança cai por terra. Nós já somos assim! Quando um trabalhador “comete” um “desvio”, uma “violação”, ele está, na imensa maioria das vezes, buscando uma forma de ajudar a organização a alcançar os resultados esperados.

HFACTORS lança plataforma de interação para pesquisadores

Como forma sistematizar conhecimento e também ser um canal de interação para pesquisadores, o núcleo HFACTORS desenvolveu uma plataforma disponível para seus membros e para o público externo. A intenção é atender a necessidade de fortalecer a colaboração entre os grupos interdisciplinares que participam de projetos relacionados a Fatores Humanos e a Resiliência, ou estudam e se interessam pelos temas.

Segundo o coordenador do trabalho, professor Denilson Sell, a plataforma se presta para organizar equipes em ambientes colaborativos, além de ser um repositório que facilita o acesso de conteúdos para as atividades internas. Uma outra finalidade é o mapeamento de profissionais e especialistas em determinadas áreas. “É um espaço de registro, onde temos integração de dados, usando a base de currículos Lattes e a rede social LinkedIn”, explica.

Rede de contatos

Sell ressalta que os inscritos na plataforma terão a possibilidade de conhecer um pouco melhor as pessoas que vem trabalhando em torno da questão de Fatores Humanos e Resiliência tanto no meio acadêmico, como na aplicação desses conhecimentos na iniciativa privada ou pública. Qualquer interessado pode ingressar em grupos colaborativos, ou até mesmo criar novos espaços de debate. “O recurso deve viabilizar as iniciativas de rede e de coprodução. Queremos empoderar esses grupos de trabalho para viabilizar a troca de conhecimento e de inovação.”

Outra meta é melhorar a conexão entre o público interno de pesquisadores e o externo. A ideia é difundir as principais competências do núcleo, publicizando os resultados de pesquisa, ferramentas de trabalho e atuação dos seus integrantes. “Isso vai ao encontro das iniciativas nas redes sociais para dar mais visibilidade e mostrar o potencial que o nosso grupo tem para o lado de fora”, ressalta Sell, que também coordenou a criação do hotsite do HFACTORS e do blog. Aliado a isso também está o perfil no Linkedin do núcleo, atividades como lives e assessoria de imprensa.

Se você quiser ajuda para se inscrever na Plataforma, visualize os nossos tutoriais:

Passo 1: Registro na Plataforma HFACTORS

Passo 2: Primeiro Acesso e Importação Lattes

Passo 3: Acessando os recursos da Plataforma

Passo 4: Ingresso em grupos da Plataforma

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Live promove debate sobre o erro na cultura de segurança das organizações

O erro humano no ambiente de trabalho é muitas vezes tratado como o responsável por resultados negativos das instituições. Contudo, um olhar para o sistema organizacional pode mostrar outras causas para as falhas e também para os acertos. É sobre esse tema que o integrante do núcleo HFACTORS professor Eder Henriqson e o engenheiro de petróleo da Petrobras José Carlos Bruno irão debater na próxima quarta-feira (15). Ambos participarão de uma live com transmissão ao vivo pelo canal do Youtube da PUCRS, a partir das 11h.

A intenção é discutir os processos laborais ligados a condições humanas, suas relações com os demais fatores que interferem no trabalho e a cultura de segurança. Dentre as questões a serem discutidas, estão: Será que é o erro humano que impede o crescimento das organizações? É mais importante entender o erro ou o acerto humano? São as pessoas que tornam o ambiente de trabalho mais seguro?

A conferência será destinada principalmente àqueles que têm pesquisado sobre a temática da cultura de segurança. Também pode interessar a gestores, trabalhadores de ambientes de risco, como hospitais, hidrelétricas, mineradoras, setor da construção civil, de óleo e gás, aviação e profissionais da área de segurança operacional.

Lançamento do núcleo e da plataforma

Na oportunidade, o coordenador do HACTORS, professor Eduardo Giugliani, apresentará o núcleo de pesquisa ao público, apresentando sua história e campo de atuação, além das redes sociais do grupo que é interdisciplinar e conta com mais de 40 colaboradores. Além disso, será lançada a plataforma de compartilhamento e interação criada pelo HFACTORS, que já está no ar:

A live pode ser acessada no dia da apresentação (15 de dezembro), às 11h, pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=3A9zure-a54

Equipe HFACTORS: na trilha da interdisciplinaridade

Equipe HFACTORS: na trilha da interdisciplinaridade

Relativamente recentes, as pesquisas que reúnem mais de uma área do conhecimento, visando resultados conjuntos e não apenas lineares e disciplinares, tendem a ser grandes desafios. O maior deles é unificar as visões de mundo em busca de um resultado novo. Integrantes do núcleo HFACTORS, sediado na PUCRS, que tem em suas bases mais de 40 profissionais com diferentes formações e campos de atuação, os professores Beatriz Gershenson e Paulo Selig entendem que a concretização da interdisciplinaridade ocorre por meio de processo, envolvendo aprendizado para o time participante, com potencial de alcançar dados transformadores sobre o tema estudado.

“Normalmente, passamos por fases, começando por um período de pouca confiança, por falta de conhecimento das particularidades de cada disciplina”, afirma Gershenson, que é doutora em Serviço Social e professora titular da Escola de Humanidades da PUCRS. Ela diz que a transformação do grupo é subjetiva e ainda inclui incertezas sobre as especificidades de cada área até chegarem os questionamentos. “As interrogações permitem o reconhecimento das limitações compartilhadas e também independentes de cada área, pois elas são impostas pela própria realidade”, explica.

Aprendizados e frutos

Doutor em Engenharia de Produção, Selig, que tem em sua experiência a fundação de um programa de pós-graduação com propósito interdisciplinar, acrescenta que a busca pela integração nunca acaba e, ao longo do caminho, vão surgindo os aprendizados e novos frutos. Como exemplo, ela cita a gênese do núcleo HFACTORS.

“No início, houve dificuldade de linguagem e de reconhecer um ao outro em sua cientificidade”, afirmou. No entanto, avaliou, o grupo tem feito esforços de colaboração conjunta, testando metodologias de integração, que deveriam, inclusive, ser documentadas. “Experiências de projetos interdisciplinares são poucas pessoas que têm. É algo razoavelmente novo. Isso tem que ser valorizado”, ressaltou.

Sobre isso, Gershenson observa que os pesquisadores desse e de outros projetos interdisciplinares têm uma oportunidade de fazer o que se sabe no campo da ciência para que ela seja útil e se converta em avanços. Porém, para que isso aconteça deve haver renúncia de autoridade ou hierarquia entre as ciências. “É preciso ter humildade para chegar ao ponto de reconhecer o que não se sabe e olhar para a realidade em conjunto da maneira como ela se impõe.”

Caso do núcleo de pesquisa

Ao longo do processo de trabalho do HFACTORS, que iniciou formalmente em 2017, se reconheceu também a necessidade de inclusão de outras disciplinas, como Psicologia e Comunicação. Selig, que atualmente é professor vinculado ao programa de Pós-graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), explicou que a escolha das áreas que devem integrar uma pesquisa com viés interdisciplinar tem relação com o tema trabalhado.

No caso do HFACTORS, tudo começou com um objetivo de se estudar e melhorar a segurança de um segmento da indústria. Nesse sentido, os estudos de fatores humanos foram aderentes a esse propósito. Vieram também profissionais de Engenharia de Resiliência, de Conhecimento, de Sociologia, de Serviço Social e de Biologia para reconhecer o sistema pesquisado e encontrar soluções.

Conhecimentos complementares

Reforçando a máxima de que os conhecimentos são complementares, Gershenson ressalta: “Costumamos trabalhar com a ideia de mediações para alcançar a realidade, que é sempre mais complexa do que parece. E, para isso, não haverá como uma área de conhecimento dar conta sozinha. A realidade não pertence a caixinhas.” Esse processo é ainda mais difícil porque, na constituição das ciências, os objetos de estudos e ferramentas foram compartimentados. O trabalho agora é continuar na contramão da lógica competitiva estimulada em várias organizações para juntar esforços.

O grupo vem dando passos para a interdisciplinaridade e também se aproximando de um conceito de pesquisa mais novo: a transdisciplinaridade. “Está na linha de resultados com coprodução, com objeto comum e múltiplos atores, mas com uma finalidade maior, que transborda a pesquisa”, observou Selig. No caso do HFACTORS, a participação de representantes da própria indústria na produção e aplicação dos resultados é um ganho. “Não garantimos que terá um resultado melhor, mas a abordagem diferente pode trazer resultados inovadores.”

HFACTORS avalia uso de vídeos como ferramenta para melhorar a segurança

Com respaldo da área de pesquisa da Sociologia Visual, o núcleo HFACTORS tem usado vídeos como ferramenta para contribuir com a segurança em indústrias, incluindo a de óleo e gás. Segundo a jornalista e pós-doutoranda em Ciências Sociais Kamila Almeida, esse recurso possibilita que as temáticas sobre o risco sejam trabalhadas de forma mais atrativa e educativa com os profissionais que lidam com o perigo diariamente.

Os materiais formulados por ela, sob orientação do professor, também integrante do HFACTORS, Hermílio Santos, trazem um retrato concreto de alguns aspectos do ambiente laboral. Os roteiros consideraram os resultados de uma pesquisa com trabalhadores e também de uma análise bibliográfica sobre o uso de tecnologia audiovisual. O trabalho ocorre em parceria com o Tecna.

Knowledge Moments

Alternando linguagem técnica e coloquial, os vídeos denominados Knowledge Moments são pensados para um público delimitado e contêm ideias, comportamentos e novas práticas. “O recurso audiovisual funciona como uma tradução e expansão das informações, atingindo o público-alvo de forma mais rápida e abrangente”, explica.

Os temas escolhidos para conduzir cada um dos três episódios dos Knowledge Moments foram aqueles que apareceram nos relatórios da pesquisa com trabalhadores como de maior necessidade de entendimento. Assim, o primeiro explica os conceitos que diferenciam erro humano e fatores humanos. Já o segundo e o terceiro exploram a abordagem de resiliência, incluindo exemplos de ambientes complexos como escolas, universidades, hospitais e a indústria de óleo e gás.

Com o auxílio da Sociologia Visual, a propagação dos conteúdos audiovisuais traz didática e concisão, gerando insights para o futuro, segundo Almeida. A utilização desses vídeos pode ser aplicada a outros sistemas complexos, como a área da saúde, construção civil e aviação.